Foi-se o tempo em que a função de um guarda municipal se resumia à vigilância de praças e prédios públicos ou à fiscalização do trânsito. Quem sabe, a interpretação ao pé da letra do próprio artigo 144 da Constituição Federal de 1988 tenha contribuído para essa interpretação restritiva, quando atribuiu aos municípios a ‘criação de Guardas Civis, com o fim de proteger o patrimônio público municipal’.
Felizmente, o Estatuto Geral das Guardas Municipais (Lei nº 13.022/14) e o Sistema Único de Segurança Pública (Lei nº 13.675/18) avançaram nas competências das Guardas, conferindo-lhes importância especial, desde o policiamento preventivo até o planejamento e a gestão urbana em matéria de Segurança Pública.
Ainda na década de 1960, a jornalista americana Jane Jacobs demonstrava, em “Morte e Vida de Grandes Cidades”, que o tratamento da Segurança Urbana passa pela autoridade das prefeituras na dimensão preventiva do planejamento e gestão de espaços públicos.
Segundo a pesquisa acadêmico produzida pela policial portuguesa Catarina Carvalho (Instituto de Ciências Policiais de Lisboa, 2015), a Segurança Urbana depende da ‘confiança que o cidadão deposita no espaço público, estabelecendo-se uma relação entre ambiente, comportamento humano e oportunidade criminal’.
Isso significa abordar o problema da insegurança nas cidades também a partir da gestão do lugar público em que a criminalidade se expressa, evitando que os espaços físicos funcionem como incubadoras das práticas criminais.
Para isso, é preciso identificar, estudar e requalificar os espaços mais vulneráveis, considerando sua relação de uso com os diversos grupos sociais e as diferentes atividades humanas.
É nesse contexto que se reforça o papel das Guardas Municipais, desde a identificação das causas espaciais, sociais e comportamentais da insegurança no meio urbano, até a proposição de formas de prevenção e mitigação. Atualmente, cerca de 1.300 cidades brasileiras (de um total de 5.570 municípios) possuem Guardas Civis Municipais.
A partir do contato rotineiro e cotidiano entre os guardas municipais e os cidadãos, é possível registrar informações sobre os espaços públicos degradados, iluminação deficiente, defeitos nas calçadas e ruas, acessibilidade, hábitos de idosos e crianças, acúmulo de lixo, vegetação excessiva, atividades delituosas, relações abusivas, conflitos de vizinhança, riscos de alagamentos e deslizamento, entre outras.
Nessa perspectiva, o currículo das Guardas passa a carecer de matérias do planejamento urbano, da avaliação do espaço público, dos fatores determinantes do sentimento de insegurança e do urbanismo social, entre outras.
Assim, as Guardas podem tornar-se especialistas, capazes de contribuir tecnicamente e operacionalmente para a formulação e a implementação de planos e estratégias integrados, com foco na Segurança. Desse modo, evoluem da condição de semi-polícias para um protagonismo na compreensão da geografia e das dinâmicas associadas à insegurança nas suas cidades.
A municipalidade, a sociedade e os próprios guardas municipais só têm a ganhar com um reposicionamento das Guardas Civis, dotando-as de capacidades e competências técnicas e operacionais para guiarem o diagnóstico, o planejamento e o monitoramento de planos para as cidades com foco na Segurança.
AUTOR
Felipe Sampaio: Ex-secretário executivo de Segurança Urbana do Recife; foi assessor dos ministros da Defesa e da Segurança Pública; cofundador do Centro Soberania e Clima; atualmente é diretor de gestão e integração de informações da Secretaria Nacional de Segurança Pública.