Um território onde a criminalidade não precisa pedir passagem. Ela simplesmente entra e invade avenidas, ruas, becos, casas, corações de mães aflitas e traumatizadas. É Alagoas, terra dos marechais, dos manguezais e dos fatos criminais. Este último título, ao menos, era dado ao estado que amargava o primeiro lugar no ranking nacional da violência. Há algum tempo, porém, já se percebe a bandeira da paz ressurgindo em cidades do interior, como Igaci, Paripueira, Boca da Mata, Olho d’Água do Casado e Quebrangulo. Estas se encontram entre os 10 municípios que conseguiram reduzir os índices de criminalidade. Em outras 10 cidades, homicídios não são registrados há, pelo menos, um ano.
Em uma entrevista exclusiva à Gazeta de Alagoas, o secretário de estado da Segurança Pública, coronel Paulo Lima Júnior, mostrou os números atuais em um gráfico – fornecido pela assessoria de comunicação – referente aos Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI) ocorridos no primeiro semestre de 2017 em comparação ao mesmo período do ano passado (a tabela é produzida pelo Núcleo de Estatística e Análise Criminal – NEAC). Os números assustam, mas de forma positiva, a exemplo de Boca da Mata, onde houve 12 assassinatos nos seis primeiros meses do ano passado e só três neste ano, o que representa um índice de 75% de redução. A cidade perde apenas para Igaci e Paripueira, que contemplam uma diminuição de 87,5% e 80%, respectivamente.
A relação segue com Olho d’Água do Casado e Quebrangulo (ambas com 75% de redução), Coité do Nóia, Igreja Nova, Olho d’Água Grande e Paulo Jacinto (estas com 66,7%), além de Limoeiro de Anadia, 10ª colocada no ranking, com uma redução de 63,6%. Na entrevista, o secretário abriu um parêntese para destacar as cidades “com resultados mais significativos”, apesar de não figurarem entre as 10 principais. A lista merece um destaque em decorrência do histórico de crimes registrados. São elas: Barra de São Miguel (62,5% de redução), São Luiz do Quitunde (53,8%), Murici (47,1%), União dos Palmares (46,7%), Santana do Ipanema (30,8%), Rio Largo (22,2%) e São Miguel dos Campos (16,7%). O município que mais se destaca é União, onde, de janeiro a junho de 2016, 30 pessoas morreram assassinadas, e, neste ano, o número caiu para 16 mortes.
O núcleo de estatísticas ainda realizou o levantamento das cidades onde os moradores não viram ou não ouviram falar de nenhum homicídio registrado neste ano. O ranking tem início com Belo Monte, seguido por Palestina, onde o último homicídio nessas cidades ocorreu em 2014; Pariconha e Senador Rui Palmeira, registrando o último assassinato em 2015; e, na sequência, Pindoba, Carneiros, Batalha, Maravilha, Santa Luzia do Norte e Poço das Trincheiras, mostrando que a última morte foi no ano passado.
“Não precisamos falar, pois basta mostrar os números que refletem a realidade vivenciada pelos alagoanos. São vários os fatores que contribuem para tamanho e significativo resultado, como a integração das forças policiais, Polícia Civil e Militar, operações de inteligência desarticulando organizações criminosas e a integração com o poder público municipal, fortalecendo as guardas municipais”, explicou o secretário.
OUTRO CENÁRIO
Além de União dos Palmares, merece destaque – no cenário de redução criminal – o município de São Miguel dos Campos, não somente pelo índice de redução de 16,7%, mas também, por ter inovado no quesito Segurança Pública. Esse número é significativo para uma cidade que já esteve presente na lista negra das mais violentas do país. São Miguel, hoje, carrega o título do terceiro município mais seguro do Brasil, conforme o ranking Connected Smart Cities, da consultoria Urban Systems. O município situado na Zona da Mata alagoana abrange 62 mil habitantes distribuídos em 16 bairros.
Em 2016, a cidade alagoana figurou na 19ª colocação, subindo 16 posições em apenas um ano. Conforme o levantamento, a cidade mais segura do Brasil é Vinhedo, em São Paulo, seguida por Ipojuca, em Pernambuco. Para montar o ranking, o estudo levou em consideração seis critérios: monitoramento de áreas de risco, iluminação pública, taxa de homicídios, acidentes de trânsito, despesas com segurança e efetivo de policiais, guardas civis municipais e agentes de trânsito.
E, para conferir de perto esta nova realidade, a reportagem viajou, nesta semana, a São Miguel dos Campos, onde conversou com moradores e comerciantes da região. A educadora Jayane dos Santos Pugliese, que mora no bairro Jaci Clemente, disse que não colocava a cabeça na porta, à noite. “Antes eu tinha medo de sair porque os assaltos eram constantes, sem falar nos assassinatos que a gente presenciava. Agora, saio de casa com meus filhos e chego dez, onze horas da noite, e vou dormir tranquila”.
Taciane Dantas, que comercializa frango no bairro Hélio Jatobá – um dos mais perigosos da cidade -, afirmou que o trabalho realizado pela Guarda Municipal vem surtindo efeitos, inclusive, em outras áreas, como Educação, Saúde e Esporte. “Quando a Segurança está boa, tudo melhora. Antes, não podia trabalhar sossegada, pois fechava cedo o estabelecimento. Agora, a paz volta para São Miguel”, comentou a vendedora ao lamentar que o tráfico ainda é o maior vilão na cidade. “Aqui, meu filho, a droga impera”.
A reportagem também esteve no Centro da cidade, mais precisamente no Mercado Público, ambiente organizado, mas que ainda registra pequenos furtos durante o dia e venda de drogas durante a noite. Questionado sobre a diminuição da criminalidade, o vendedor de cereais, Cícero José dos Santos, foi taxativo. “Moro há trinta e cinco anos e não vi mudança significativa. Tudo está na mesma, a não ser os roubos, que diminuíram. Vejo o pessoal da Guarda Municipal rodando, mas nada além disso”.
Por outro lado, o comerciante de confecções Narciso Messias fala que a população da cidade vive um outro momento. “Realmente, vivemos uma nova época aqui em São Miguel. Antigamente, isso aqui era uma loucura, muita violência, ninguém podia sair de casa”.
Comungando da mesma opinião, o funcionário do Serviço de Atendimento Médico de Urgência (Samu), Carlos Oliveira, lamentou que a cidade “era um mata-mata toda semana”. “Mais de vinte homicídios por mês aqui. Uma sensação de insegurança total. Estamos voltando a viver bem com a presença da polícia e da Guarda”, pontua..
Outro que comemorou a tranquilidade no município foi o jovem Diego Santos, que sofreu uma tentativa de assalto que jamais conseguiu esquecer. Ele, que é mototaxista, afirmou que colegas de trabalho terminavam a jornada diária no início da noite, mas, há quase um ano, alguns deles ficam até o final da noite sem nenhum problema. “Vimos que a junção da guarda com a polícia ajudou muito. Rodamos mais seguros, inclusive, nossos clientes também sentem isso”.
INVESTIMENTOS
Em entrevista na sede da Prefeitura, o secretário de Segurança Urbana do município, Walmore Tenório, citou algumas medidas que foram adotadas no início deste ano. A primeira e mais importante foi o aumento do efetivo da Guarda Municipal nas ruas com o deslocamento das equipes que trabalhavam na segurança patrimonial. Ao todo, 16 agentes atuam diariamente no serviço operacional, distribuídos em quatro viaturas.
“É importante esclarecer que não fizemos concurso, apenas deslocamos parte do efetivo que ficava nos órgãos públicos para dar atenção à comunidade. Além disso, fizemos capacitação técnica com as equipes e melhoramos o salário”, pontuou o secretário.
Para o prefeito da cidade, Pedro Ricardo Jatobá, outro fator relevante no combate à criminalidade é a integração das Polícias Civil (PC), Militar (PM), Federal (PF), e Rodoviária Federal (PRF), Defesa Civil, Ministério Público (MP) e Judiciário. “A Superintendência Municipal de Transportes e Trânsito (SMTT) faz blitze quase todos os dias; o batalhão escolar da Guarda dá palestra nas escolas; e recebemos operações integradas. Com isso, diminuímos a violência aqui. Em 2015, São Miguel dos Campos foi considerada a quarta cidade mais violenta de Alagoas”, salientou o prefeito, acrescentando não se recordar de quando ocorreu assalto às agências do Banco do Brasil (BB), Bradesco e Caixa Econômica Federal (CEF).
Ainda segundo o prefeito, o São João da cidade – que reuniu 27 mil pessoas durante cinco dias -, só registrou uma ocorrência: roubo a veículo. A prisão em flagrante foi feita por guardas municipais. Já na Feira da Ponte, comércio de artesanato que atraiu 50 mil pessoas, nenhuma ocorrência fora contabilizada.
Outra novidade que otimizou a Segurança no município foi a criação de um grupo no Whatsapp que reúne membros da secretaria, da Guarda, associação de moradores e comerciantes da região. O objetivo da rede social é compartilhar informações de todo e qualquer tipo de ocorrência. “Este grupo tem sido uma grande ferramenta para o Poder Público, pois chegamos com rapidez aos fatos a partir das denúncias. Quem está de plantão ou de folga se liga na troca de informações”, assinalou o secretário.
Na oportunidade, o prefeito citou alguns projetos em andamento para o município. Segundo ele, as metas são monitoramento de câmeras, instalação de base comunitária em áreas de risco e o curso de formação para os guardas municipais, feito pela Polícia Federal, com a intenção de o efetivo ter o porte de arma por tempo integral e, não somente, durante o serviço, como acontece atualmente. A medida é amparada por lei.
GUARDAS DE PRONTIDÃO
Em um passado não muito distante, eles ficavam à porta de órgãos públicos, quase sempre parados, na expectativa de se deparar com alguma “alteração”, como denominam a ocorrência de um crime ou via de fato. Há alguns meses, grande parte do efetivo foi deslocada para as ruas, onde o povo clamava por mais segurança. E, prontamente, estão conseguindo amenizar a sensação de insegurança vivida pelos moradores: são os chamados guardas municipais.
Antes de acompanhar o trabalho ostensivo realizado pelos profissionais, o diretor-geral da Guarda, Anderson Walace, informou que 241 guardas atuam no município, cujo efetivo se divide entre a rua – por meio da Ronda Ostensiva Municipal (Romu) -, o grupamento escolar e os prédios públicos.
O comandante, que está há 10 anos na Guarda, comenta que a vontade de trabalhar no combate à criminalidade só tem crescido. “Primeiro, nosso deslocamento para as ruas, prendendo os infratores, e, segundo, conversando com a população, que tem sido receptiva e está mais confiante para circular por São Miguel e denunciar os atos de violência”.
E o trabalho realizado pelos guardas não se encerra no policiamento. Nas horas vagas, muitos deles encaram, com muita satisfação, o ensino de artes marciais e atletismo a mais de 500 pessoas de 6 a 30 anos de idade, em um projeto desenvolvido neste ano e que contribui para a inclusão social.
“E não somente a inclusão, mas também, oportunidade a pessoas que já vivenciam a criminalidade dentro ou fora de casa, e acabam entrando neste mundo perverso. O projeto vem combater a ociosidade e trabalhar a autoestima do alunado, inclusive, influenciando a participação em campeonatos esportivos. O mais curioso é que os guardas são os professores de artes marciais e atletismo”, frisou o secretário municipal de Esportes, Valdemir Costa, acrescentando que as aulas acontecem no horário de folga do estudante e envolvem, ainda, futebol, futsal, futvôlei e vôlei de praia.
Na visão do secretário de Segurança, Lima Júnior, o resultado de São Miguel reflete o aparato da Segurança na região. “Temos que considerar que outros municípios circunvizinhos trouxeram segurança para o entorno, a exemplo de Boca da Mata. Fizemos vários investimentos em São Miguel. Recuperamos a delegacia regional, cuja obra estava parada há mais de seis anos, e vamos lançar a força-tarefa municipal neste mês, com o incremento de mais três viaturas da PM, que vão servir à Primeira Companhia Independente”, complementou o gestor.
Fonte: Gazetaweb.com
(Fotos: José Feitosa e cortesia)