Sindicato dos Guardas Civis Municipais de Alagoas

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Paulo Batistella

Quatro em cada dez guardas civis municipais ou metropolitanas (GCMs) no país atuam sem estarem sujeitas a órgãos de controle, que deveriam fiscalizar, investigar e auditar as atividades dessas corporações.

Estatuto Geral das Guardas Municipais prevê três tipos de órgãos de controle sobre as GCMs. Foto: Agência Brasil

Das 1.322 cidades brasileiras que contam com uma GCM, 573 delas (43% do total) não dispõem de uma corregedoria, uma ouvidoria ou um órgão colegiado para exercer, respectivamente, os controles interno, externo e social das corporações, conforme prevê o Estatuto Geral das Guardas Municipais (Lei 13.022/2014).

O panorama sobre as guardas foi identificado pela revista eletrônica Consultor Jurídico a partir de dados da Pesquisa de Informações Básicas Municipais (Munic), de 2023, feita com questionários aplicados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) às prefeituras, responsáveis pela gestão de cada GCM no país.

Especialistas no tema ouvidos pela ConJur relatam preocupação com a fragilidade no controle das guardas, tendo em vista a projeção crescente delas na segurança pública do país, com efetivos cada vez maiores, armados e protagonistas de atividades antes vinculadas apenas às polícias.

Guardas sem controle

O estatuto das GCMs estabelece que o controle interno de cada corporação deve ser exercido por uma corregedoria própria, ao menos para as guardas que façam uso de arma de fogo ou tenham mais de 50 servidores.

É função da corregedoria apurar infrações disciplinares atribuídas aos guardas, como condutas abusivas. Contudo, há 144 corporações no país que, mesmo preenchendo os requisitos previstos em lei, não têm um órgão do tipo, segundo as próprias prefeituras relataram à Munic.

A lei federal que regulamenta a atuação das GCMs determina ainda que cada uma delas esteja sujeita ao controle externo exercido por uma ouvidoria independente da direção da corporação, qualquer seja o número de servidores ou armamentos dos quais disponha.

Ainda assim, 745 delas, ou seja, mais da metade das guardas de todo o país (56%), não contam com tal órgão, que deveria receber denúncias, reclamações e sugestões sobre os agentes, além de propor soluções e dar orientações.

O estatuto das guardas também prevê que o Poder Executivo de cada município pode criar um órgão colegiado para exercer o controle social das atividades de segurança locais, analisar a aplicação de recursos e monitorar as metas da cidade quanto ao tema. Apenas 32 das GCMs em atividade (2,4%), contudo, estão sujeitas a um grupo desses.

As guardas que não contam com nenhum dos três órgãos de controle somam 13.350 agentes. Deste grupo, uma maioria faz patrulhamento ostensivo (318) e presta auxílio à Polícia Militar (392) e à Polícia Civil (281). Mais de um terço (210) faz atendimento de ocorrências policiais. Apenas 38 delas fazem uso de armas de fogo (2,4%).

Aumento e mudança de perfil

A pesquisa do IBGE que elucidou o cenário, com resultados divulgados no último dia 30 de outubro, foi a mesma que permitiu identificar um aumento das guardas municipais armadas em cinco anos ante um encolhimento das polícias.

Em 2021, o Supremo Tribunal Federal autorizou o porte de arma para todas as guardas municipais do país (ADI 5.948, ADI 5.538 e ADC 38). Até então, isso era restrito aos agentes das capitais e dos municípios com mais de 500 mil habitantes; e aos guardas em serviço nas cidades com população entre 50 mil e 500 mil moradores.

No ano passado, um estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) já havia percebido a mesma tendência aferida pelo IBGE, de expansão das guardas civis, conforme noticiou a ConJur à época.

Na ocasião, a entidade relatou haver dificuldade em estimar o próprio efetivo das guardas, dada a falta de fontes nacionais disponíveis sobre elas — o FBSP entendeu, inclusive, haver 1.467 GCMs no país, número diferente do percebido pela Munic, ao cruzar dados do IBGE com registros do Ministério do Trabalho.

Além disso, a entidade destacou haver uma mudança de perfil das GCMs com a sanção do Estatuto das Guardas. A normativa expandiu a previsão do artigo 144, parágrafo 8º, da Constituição Federal, segundo o qual os municípios podem constituir “guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações”.

Desde então, as GCMs, segundo o FBSP escreveu no estudo “Raio-X das Forças de Segurança Pública no Brasil”, “vêm ampliando sua atuação em atividades que antes eram, exclusivamente, desempenhadas pelas polícias, como abordagens, blitzes, revistas pessoais e prisões em flagrantes”.

Na versão deste ano do Anuário da Segurança Pública, o FBSP ainda identificou que os gastos de municípios com a segurança pública, para financiar, entre outras coisas, a expansão das guardas, cresceram 89% em uma década, em proporção muito superior ao verificado nos estados e na União.

As mudanças coincidem com o aumento da sensação de insegurança dos brasileiros e do apelo eleitoral em torno do tema. Na disputa mais recente à prefeitura de São Paulo, por exemplo, a segurança pública foi colocada como prioridade, conforme mostrou pesquisa do Datafolha.

Atribuições em pauta

A compreensão sobre o papel das guardas também tem sido alvo recorrente de debate em julgados no STF e no Superior Tribunal de Justiça, em especial nos casos que tratam da validade de provas obtidas por guardas municipais em casos de tráfico de drogas.

Desde 2022, o STJ vinha estabelecendo uma série de limites à atuação das guardas. No entanto, a Corte passou a revisar sua jurisprudência, conforme mostrou a ConJur, em função de uma tendência de parte do STF de validar ações de policiamento ostensivo pelos guardas municipais. Não há consenso no Supremo sobre o tema.

Em outubro, o STF iniciou o julgamento de um recurso extraordinário (RE 608.588) que trata do limite da atuação legislativa dos municípios para disciplinar as atribuições das guardas. O caso tem repercussão geral (Tema 656).

Na ocasião, o ministro Luiz Fux, relator da matéria, propôs a tese de que as guardas podem exercer “policiamento preventivo e comunitário” — expressão diferente do princípio do “patrulhamento preventivo” previsto no Estatuto das Guardas (artigo 3º, inciso III) — quando estiverem “diante de condutas potencialmente lesivas aos bens, serviços e instalações dos entes municipais, em cooperação com os demais órgãos de segurança pública no âmbito de suas respectivas competências”.

Diferentemente das guardas, contudo, os órgãos de segurança pública com competência para exercer atividades policiais estão sob expressa previsão constitucional (artigo 129, inciso VII) de controle externo pelo Ministério Público.

Ainda assim, em setembro deste ano, o Conselho Nacional do Ministério Público assinou um protocolo de intenções com a Associação Nacional de Guardas Municipais do Brasil (AGM Brasil), entidade de classe que defende o reconhecimento das GCMs como polícias municipais.

O acordo pretende “identificar, investigar e processar as demandas relacionadas a condutas que envolvam abuso ou violência decorrente de abordagem policial das guardas municipais”. Os casos serão registrados pela Ouvidoria de Combate à Violência Policial, recém-lançada pelo CNMP.

Apenas nos municípios de São Paulo, onde o Ministério Público estadual já compila esses dados, as guardas civis mataram ao menos 28 pessoas em 2024 — a título de comparação, a Polícia Civil protagonizou 31 mortes, e a Polícia Militar, 673.

Controle pelo MP

José Vicente da Silva Filho, que foi secretário nacional de Segurança Pública no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), diz que a dificuldade de controle das GCMs já era evidente nos debates da Assembleia Constituinte, altura em que, segundo ele, o jurista José Afonso da Silva teria desencorajado a formação de polícias municipais.

“Foi feita a consideração de que a quantidade de municípios e, portanto, de polícias seria de difícil controle. Esse controle hoje já é muito precário com as próprias 27 polícias militares e civis, além das penais”, argumenta Silva Filho, que é também coronel reformado da Polícia Militar de São Paulo.

Crítico da expansão das atribuições e do aparato repressivo das guardas, ele defende a promulgação de uma proposta de emenda à Constituição que atribua expressamente ao Ministério Público de cada estado o controle externo das guardas, mesmo que não seja dado a elas poder de polícia.

David de Siena, que é delegado da Polícia Civil de São Paulo e vê com maior otimismo a expansão das guardas para a segurança das cidades, diz que dar essa responsabilidade ao MP poderia gerar tensões em relação à autonomia dos municípios. Ele é assertivo, ainda assim, em afirmar que a atual falta de controle é preocupante.

“A descentralização da segurança pública, que inclui o fortalecimento das GCMs, é benéfica para aproximar a administração da aplicação da lei das comunidades. No entanto, para que esse modelo funcione de forma eficaz, é indispensável a existência de controles internos, externos e sociais, que assegurem o cumprimento das normas e previnam abusos de poder”, diz Siena, que é também coordenador do Observatório de Segurança Pública da Universidade Municipal de São Caetano do Sul, onde leciona Direito Penal.

O advogado criminalista Aury Lopes Jr., professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), afirma que o problema não se resume ao controle, mas está na própria expansão das GCMs.

“Uma guarda municipal não deveria ter o mesmo poder de uma Polícia Militar ou de uma Polícia Civil, porque ela não tem o mesmo preparo, controle, fiscalização, carreira e estrutura institucional das polícias”, critica.

Ele acrescenta ainda ver com ceticismo o eventual controle externo das GCMs pelo Ministério Público, que, segundo o advogado, já não dá conta atualmente de fiscalizar a atividade das polícias. “É uma coisa que nunca foi regulamentada corretamente, e nem tem como fazer”, afirma.

Já o advogado Eduardo Pazinato , que atua em prol da AGM Brasil e é associado sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, diz que o cenário evidenciado pela Munic, do IBGE, chama atenção.

Ainda assim, ele avalia que não há lacunas normativas relativas à fiscalização das guardas, por entender que o estatuto das corporações já contempla isso, com a exigência de corregedorias e ouvidorias, e que a previsão constitucional de controle da “atividade policial” pelo Ministério Público também deve incluir as GCMs.

“Não há nenhuma contradição entre essas questões. É preciso que o Ministério Público amplie o seu poder de fiscalização, que a sociedade brasileira conheça cada vez mais o papel das guardas, e que existam os mecanismos de controle da atividade policial — que existem não só em relação às guardas, mas também às demais polícias — para fazer denúncias e exigir um padrão profissional de atuação das polícias, como se quer com a guarda municipal”, diz.

Paulo Batistella
é repórter da revista Consultor Jurídico.